O otimismo que encontrei no Brazil at Silicon Valley
“Dedicado às coisas que ainda não aconteceram, e as pessoas que ainda vão criá-las”
Essa frase está estampada numa parede da escola de negócios da Universidade Stanford e me chamou muito a atenção logo que cheguei para estudar lá. Ela diz muito sobre o espírito e a cultura tanto da universidade em si quanto do Vale do Silício, ambos umbilicalmente interligados.
Estudantes de Stanford organizaram, nos dias 8 e 9 de abril, a conferência Brazil at Silicon Valley. O que se viu foi uma espécie de Woodstock do empreendedorismo brasileiro. Uma aula sobre a cultura do Vale, com uma pitada impressionante de otimismo com relação ao Brasil. Algo impensável em 2015 e 2016, quando eu morava lá e quase ninguém dava bola pro Brasil
No palco, do lado internacional, revezavam-se investidores ícones no Vale e referências globais, como Doug Leone da Sequoia Capital, Vinod Khosla e Hans Tung. Os brasileiros que os acompanhavam iam desde os nossos grandes empreendedores da atualidade, como David Velez do Nubank e André Street da Stone, até os grandes e já consolidados nomes como Jorge Paulo Lemann, Carlos Britto, e brasileiros de grande sucesso lá fora como Hugo Barra, Vice presidente para realidade virtual do Facebook, e Mike Krieger, co-fundador do Instagram.
Na plateia, diversos empreendedores brasileiros que estão sonhando grande, juntamente com uma parcela relevante do PIB, atenta e ávida por entender melhor esse novo mundo que se desdobra, sem pedir licença, num ritmo avassalador. Gente como Marcel Telles, Flávio Rocha, Elie Horn, André Esteves, Junior Seripieri, e membros de diversas famílias acionistas da maiores empresas do Brasil, como Rede Globo, Gerdau, Rede D'or.
No primeiro painel, vimos um atento Jorge Paulo entrevistar e ouvir conselhos de Scott Cook, fundador da Intuit. Scott falou sobre a necessidade de se fazer experimentos rápidos e baratos, sendo que a cultura e estrutura da empresa deve permitir e incentivar os funcionários na base da pirâmide a fazer isso. Ele lembrou uma visita a uma fábrica da Toyota onde os funcionários de chão de fábrica podiam fazer experimentos. “Ninguém quer vir trabalhar e ter que convencer seis níveis hierárquicos sobre uma ideia, isso é tortura. Se as decisões forem baseadas em opiniões e não em experimentos, vai prevalecer a opinião dos mais bem pagos. Não só as crianças aprendem fazendo, as pessoas em geral também. Tire seu time do escritório e vá observar os seus clientes, na casa deles, no trabalho... Não pergunte nada a eles, apenas observe... Viu algo inesperado? Existe provavelmente uma ótima oportunidade aí”.
Dan Rosensweig, CEO da Chegg, falou para os empreendedores que não se pode colocar um só pé na arena. “É muito difícil atingir o sucesso seja lá qual for a jornada; é impossível se você não estiver totalmente comprometido”. Dan fez uma comparação interessante do Vale do Silício com Hollywood. “Em Hollywood, a primeira pessoa na sala é um advogado; aqui, o último membro da diretoria a ser contratado é o advogado”.
Quando olhamos a velocidade da transformação em curso, podemos dizer que no futuro todas as empresas serão empresas de tecnologia. Nesse aspecto, Fred Trajano, do Magazine Luiza, parece ser quem mais se antecipou a isso. No painel seguinte, ele disse que a dificuldade para inovar em grandes empresas está especialmente na estrutura organizacional, hierarquizada, e no medo de errar e ser demitido. E completou dizendo: temos que ser produtores de software, não compradores; você não inova comprando um sistema da Oracle ou da Microsoft.
A grande diferença é que as empresas mais novas já nascem com sistemas modernos, na nuvem, com metodologias ágeis de gestão, enquanto as antigas precisam se adaptar o mais rápido possível. Precisam lidar com seus sistemas legado – como já diz a piada: “O mundo foi criado em 7 dias pois não havia sistema legado, senão teria levado 5 anos”. Fred contou que a Magalu conta atualmente com 850 desenvolvedores divididos em 80 times ágeis. O Luizalabs começou em 2011, e os times foram montados pouco a pouco. “Conforme vai funcionando, você vai transformando a organização como um todo”, disse.
Aqui cabe um testemunho pessoal sobre Fred. Pouco mais de três anos atrás, em setembro de 2015, numa viagem ao Vale, Fred veio conversar com a turma de brasileiros estudantes de Stanford. Foi quando o conheci. Coincidentemente naquele dia haveria um painel com Jerry Yang, fundador do Yahoo, entrevistando Jack Ma, fundador do Alibaba, e então perguntei se ele gostaria de assistir também. Naquela época, as ações da Magalu estavam cotadas abaixo de R$ 2, com valor de mercado de cerca de R$ 300 milhões.
Enquanto assistíamos, um comentário dele me marcou: eu venho pro Vale todo ano já faz dez anos, e sempre trago um time grande comigo. Não adianta vir uma vez e vir só o CEO, cultura é algo complexo de mudar e demora. Hoje, a empresa vale mais de R$ 30 bilhões e Fred virou referência em inovação e tecnologia.
O segundo dia da conferência já estava com o salão cheio antes de começar. Todos queriam ouvir Marcelo Claure, o homem que tem US$ 5 bilhões no bolso para investir na América Latina. Julio Vasconcellos, mediador do painel e fundador do Peixe Urbano, começou perguntando na lata o que todos gostariam de saber: “Como diabos você vai investir US$ 5 bilhões na América Latina?!”. Esse montante é mais do que o dobro do capital atual disponível na indústria de venture capital por aqui.
Marcelo Claure, o boliviano que comanda o Softbank na América Latina, além de ser COO global, contou sobre sua interessante trajetória. Fundou a Brightstar em 97, como uma provedora de serviços para a indústria de telecomunicações. O negócio cresceu de forma global, atingiu receita de US$ 10 bilhões e presença em 50 países. Contou que conheceu o mítico Masa, fundador e CEO do Softbank, tentando vender o serviço de sua empresa para ele, e rapidamente entendeu o porquê da fama. Marcelo costumava levar 9 meses para implementar sua solução em empresas tradicionais. Masa disse que gostaria de implementar, pasmem, em 3 dias. Mobilizaram então os times de tecnologia e fizeram acontecer algo que parecia impossível.
Falando sobre a criação do fundo, Marcelo disse que não se conformava com o fato de só investir em empreendedores americanos, chineses ou indianos: “Não é possível que só tenha coisa boa nesses locais”. Lembrou que o PIB da América Latina é o dobro do PIB indiano, e metade do chinês. “O Softbank investe US$ 400 bilhões globalmente; a América Latina corresponde a 8% do PIB, logo deveríamos investir por volta de US$ 30 bilhões, mas optamos por começar com apenas US$ 5 bi”, para surpresa da plateia. Marcelo disse que já estão analisando 140 startups, sendo que 20 já em fase de due diligence. Por fim, concluiu dizendo: “O mundo está entrando na fase mais emocionante de todas. A revolução da Inteligência Artificial chegou e o impacto nos próximos 20 anos será mais forte do que o visto nos últimos 300”.
Hans Tung, um dos maiores investidores em venture capital do mundo, contabilizando nada menos que 13 unicórnios investidos e 7 anos seguidos na Midas List da Forbes, foi entrevistado por Hugo Barra, um dos grandes craques brasileiros do Vale do Silício - Hugo liderou o Android no Google e hoje é vice presidente de realidade virtual no Facebook.
Hans falou que os empreendedores do Vale do Silício não entendem bem os desafios locais de países como Brasil e China, e que as grandes inovações serão feitas localmente. Quando conheci Hans, 3 anos atrás em Shangai, ele não tinha o menor interesse no Brasil. Hoje pra ele o Brasil é a China de 2005 – ou seja, uma oportunidade enorme. Nessa época, quando ele se mudou do Estados Unidos pra lá, o e-commerce representava menos de 0.2% do total do varejo, e hoje já chega em 20%. Disse uma coisa que a princípio soa bastante óbvia, mas em que pouca gente repara: as ineficiências são muito maiores em países emergentes, logo as oportunidades também são. E recomendou, baseado no que viu na última década na China, que grandes empresários brasileiros, mesmo os mais bem sucedidos e com empresas atualmente vencedoras, deem um jeito de se associar aos novos empreendedores para não ficarem pra trás. Como diz Bill Gates: “nós sempre superestimamos a mudança que vai acontecer nos próximos 2 anos e subestimamos a mudança dos próximos 10”.
Outros dois ícones da indústria de venture capital global deixaram diversos ensinamentos valiosos, junto com mais uma pitada de otimismo com relação ao Brasil. Doug Leone, da Sequoia Capital, contou que quando abriram escritório na China, o time americano ensinava sobre os modelos de negócio para os chineses, mas que hoje o normal é o contrário. Observou que o governo chinês está empenhado em fazer em 20 anos o que o americano levou 60, especialmente em relação a formação de estudantes nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, e conclamou os brasileiros a fazerem o mesmo. No Brasil atualmente se formam 170 mil estudantes nessas áreas; nos Estados Unidos são 600 mil, e na China 6 milhões. É uma enorme vantagem competitiva. Doug resumiu também por quê o Vale do Silício é o que é: tem uma incrível universidade, uma mentalidade extremamente ousada e corajosa, e um clima muito agradável.
Na mesma linha, Vinod Khosla, fundador da Sun Microsystems e outro ícone da indústria de capital de risco, disse que as grandes inovações vêm de pessoas que são novatas nos setores em que se aventuram, e com a cabeça fresca. “Os especialistas vão te explicar porque não vai funcionar”. E concluiu: “A disposição em falhar é o que traz a possibilidade de sucesso”.
O que fica evidente, ao ouvir os diversos palestrantes – e somando minha experiência pessoal morando e estudando quase dois anos por lá –, é que muito além de ser uma região, o Vale do Silício é uma mentalidade, uma cultura. David Velez, fundador do Nubank, disse na conferência, que a cultura de uma empresa é formada pelas 30 primeiras pessoas, e que depois fica muito mais difícil mudar. O Brasil já passa dos seus 200 milhões.
Peter Drucker, o guru da administração, disse em sua célebre frase: “a cultura devora a estratégia no café da manhã”. No Brasil, tanto a estratégia quanto a cultura têm ficado distante do que sonhamos.
Mas acima de tudo, “as palavras movem, mas os exemplos arrastam”. Nunca tivemos um momento propício como esse para sermos arrastados por bons exemplos, e com um ecossistema de inovação e empreendedorismo cheio de gás para arrastar quem quiser ser. O último painel da conferência trouxe Mike Krieger, o brasileiro co-fundador do Instagram. Mike disse que apesar de sua agenda cheia, sempre arruma tempo para conversar com novos empreendedores brasileiros, inclusive investindo capital em vários deles. Uma parte dos criadores do aplicativo 99 Taxis está na segunda empreitada, a Yellow, e outra está investindo em novas startups. Stone, Gympass, Nubank e iFood são startups brasileiras referências no mundo todo, com geração de capital significativa para seus fundadores e investidores, capital esse que tem voltado para o ecossistema, ávido pelos próximos vencedores.
Vivemos uma fase na qual todos os brasileiros sabiam dizer o nome dos 11 titulares da seleção brasileira. Mais recentemente, o nome dos 11 membros do Supremo Tribunal Federal estava na boca do povo. Acredito que estamos entrando na fase na qual os nossos 11 primeiros unicórnios serão mais lembrados que a seleção ou o STF, e servirão de inspiração e exemplo para muitos novos empreendedores.
Ainda que no Brasil o estado seja um enorme peso para o empreendedor, e independentemente de nosso governo ser de esquerda ou direita, não resta dúvida de que é o empreendedorismo que vai levar o país a frente.
*Claudio Mifano, fundador da Livance Consultórios Inteligentes e membro do Comitê de Empreendedorismo e Inovação do Hospital Albert Einstein
Fonte: Globo
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