“O brasileiro não é tão conservador quanto parece”
A influência dos evangélicos na sociedade, na política e na economia do país cresceu consideravelmente nos últimos anos. Hoje, 30% dos brasileiros se declaram evangélicos – nos anos 80, eles eram apenas 5%, segundo o Datafolha. Nas últimas eleições presidenciais, seu voto foi decisivo: segundo o Datafolha, 21,5 milhões de evangélicos votaram em Jair Bolsonaro, contra 10 milhões que escolheram o candidato Fernando Haddad. O fenômeno serviu de tema para debate realizado na última quinta-feira (09/05) na Fundação FHC, em São Paulo.
“As pessoas falam em uma nova onda conservadora, mas a verdade é que o conservadorismo sempre existiu no Brasil. A diferença é que agora os evangélicos assumiram uma postura ativista na política, algo que não acontecia antes”, diz Ronaldo de Almeida, Professor do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas e coautor do livro Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais (Ed. Unicamp, 2018).
“Hoje, no Congresso, há 90 deputados e 9 senadores evangélicos”, diz Ricardo Mariano, especializado em Sociologia da Religião e autor de Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Edições Loyola, 2018). Segundo o especialista, o Brasil é o país onde os evangélicos têm mais poder político-partidário. “Eles não são só representantes do povo. Políticos evangélicos estão expostos às autoridades pastorais. Para eles, os padrinhos religiosos são mais importantes do que os partidos políticos.”
Segundo o especialista, para satisfazer a vontade desses líderes, muitos deles assumem compromissos com determinadas causas – em sua maioria conservadoras. “Eles costumam ser contra políticas públicas igualitárias”, diz Mariano. “Defendem o Estatuto da Família, que discrimina a população LGBT. Querem transformar a escola pública em um campo de batalha. No campo penal, buscam diminuir a maioridade legal. E fazem lobby pró-armas.”
Porte de armas
Na opinião de Almeida, a nova onda conservadora atua em quatro frentes. “A primeira é a segurança, com a defesa do porte de armas e da punição para os menores. A segunda está ligada ao corpo, às questões de gênero, aos vínculos afetivos. Junto com isso vem a intolerância, que traz consigo a lógica da produção de inimigos. E por fim há a linha econômica: eles costumam adotar uma postura liberal e de estímulo ao empreendedorismo. A proposta é que cada um assuma o seu destino, conquiste sua prosperidade, sem depender do Estado.”
Segundo o estudioso, esse tipo de proposta encontra respaldo entre o público evangélico. “A religião costuma ter um alcance maior na base da pirâmide, entre pessoas de baixo poder aquisitivo, e também entre mulheres e negros.” Para essas pessoas, diz Almeida, são oferecidos “apoio emocional, bênçãos materiais e padrões morais rigorosos”.
“É nesse terreno que nascem os pânicos morais, as teorias conspiratórias e as fake news. E é aí que a democracia é colocada em risco”, diz Mariano. Para Almeida, o curioso que esse tipo de postura vai contra o que se convencionou de chamar comportamento típico do brasileiro, mais tolerante e cordial. “Na minha opinião, o brasileiro não é tão conservador assim. Pode até assumir uma postura conservadora em público, mas no dia a dia é muito mais tolerante do que parece. ”
Fonte: Globo
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