Quando a tomada de decisão é baseada em vieses inconscientes, todo mundo perde

Escolha - porta - decepção - indecisão - escolhas - caminho - rota - direção (Foto: Pexels)

 

De todos os questionamentos que eu escuto durante as palestras e treinamentos de diversidade que realizo, existem alguns que chamam bastante atenção como “se eu estou andando na rua de noite e vejo um cara negro vindo em minha direção e atravesso a rua, não é preconceito, é segurança!”, ou “Mas os homossexuais são assim mais animados, expansivos e às vezes escandalosos. Não é mesmo?”. “Poxa, mas neste trabalho precisa ter força física, de verdade, como vou contratar uma mulher?”. “Ah, esse pessoal com deficiência não quer trabalhar porque recebe uma bolsa”. Bem, ressalto que todas as afirmações estão equivocadas.

São afirmações baseadas em nosso desconhecimento, em nossos medos, mas principalmente, baseadas em nossos vieses. E o que são vieses? Existem várias abordagens para este tema, eu explico como sendo o conjunto de estereótipos, ideias pré-concebidas, aprendizados passados de geração para geração, ensinamentos – por vezes equivocados – que se transformam em realidade apenas em nossa mente.

Ou seja, por vezes, estamos tomando decisões baseadas em algo já aprendido, introjetado em nossa mente, comportamentos e até mesmo instintos que são baseados em aprendizados equivocados, mas que para nós são realidade. Não a realidade de fato, mas a realidade que está em nossa mente, ou seja, nossos caminhos e conexões neurais estão acostumados a essa forma incorreta de ler a realidade, e se portar diante dela.

Eu gosto sempre de exemplificar com a minha história pessoal. Sou uma mulher negra e não sou escrava, meus pais não são escravos e meus avós também não eram. Mas se a minha avó nasceu em 1932, há grandes chances de que a minha bisavó fosse escrava. E o seu bisavô, avô, seu pai? Se pensarmos que a abolição tem somente 130 anos, concluímos que são quatro gerações, apenas quatro gerações de uma construção social, política e econômica, em que o negro era tido como produto, depois como marginal, e assim por diante.

Então, o que aprendemos com nosso bisavô, avô e pai é o que pode justificar uma construção equivocada de ideia, que nos leva a discriminar e incorrer em preconceito étnico racial, sem sequer nos darmos conta. Ou pior, incorrendo em pseudojustificativas que aliviam a nossa consciência sem de fato pensarmos no real motivo dos nossos comportamentos.

O mesmo vale para mulheres. Vejamos, em 1932 somente mulheres casadas brasileiras podiam votar. Somente em 1946 esse direito se estendeu a todas as mulheres. Somente a partir de 1962 as mulheres brasileiras podem trabalhar sem autorização dos maridos. Foi ontem! E daí novamente pergunto, o que aprendemos com nossos ancestrais? Até meados do século XI, pessoas com deficiência deviam morar em grandes instituições afastadas dos centros urbanos e do convívio social. Até pouquíssimo tempo a homossexualidade era tida oficialmente como doença.

Quando temos acesso a estas informações e fazemos a contraposição delas com os nossos comportamentos, devemos pensar que há dois caminhos de tomada de decisão: o intuitivo e o analítico. O intuitivo é rápido e acontece em poucas frações de segundos, e é baseado em tudo o que aprendemos e consideramos verdades absolutas. O analítico está à luz dos conhecimentos atuais, da reflexão crítica, análise de dados e indicadores, pensamos, ponderamos e ressignificamos antes de tomar a decisão.

É só assim que temos clareza do quanto nossos vieses são pautados em outro tempo social, outra construção histórica, em ideias e acontecimentos retrógrados, e que têm tomado a decisão no nosso lugar.

Sempre digo para as pessoas, tanto o caminho intuitivo quanto o analítico têm importante papel em nosso dia a dia. O importante é termos consciência para não vivermos o tempo todo automaticamente no intuitivo, presumindo que nossos conhecimentos são a realidade plena, mas sim entender que tudo é construção cultural, e que seremos mais inclusivos e up to date se tivermos autoconhecimento a ponto de começarmos a tomar nossas decisões conscientemente.

Assim, espero que esta reflexão ajude gestores, líderes e profissionais em geral para que comecem a ressignificar o mundo hoje!

*Liliane Rocha CEO e Fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade, autora do livro Como ser um líder Inclusivo e premiada com o 101 Top Global Diversity and Inclusion Leaders.




Fonte: Globo

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