Procuradores criticam suspensão de investigações com dados do Coaf sem autorização judicial

Decisão foi do presidente do STF, Dias Toffoli, e afeta investigações sobre crime organizado, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, além dos crimes de colarinho branco. Procuradores criticam suspensão de investigações com dados do Coaf sem aval judicial A decisão do ministro do STF, Dias Toffoli, de suspender investigações com dados compartilhados pelo Coaf sem autorização judicial recebeu críticas de procuradores e especialistas. Procuradores afirmam que a decisão foi um retrocesso e que vai suspender praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no país. “Não é exagero dizer que seria um dos piores precedentes da história no combate a corrupção e lavagem de dinheiro e tem mesmo potencial de afetar todas as nossas investigações e ações penais em curso”, disse a procuradora da República Marisa Ferrari. O chefe do Ministério Público de São Paulo, Gianpaolo Poggio Smanio, afirma que a decisão atinge investigações contra facções criminosas. “Isso causa um prejuízo bastante grande porque essas informações embasam investigações a respeito de crime organizado, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, portanto, além dos crimes que são de colarinho branco especificamente: sonegação fiscal, crimes de corrupção”, disse. Na decisão, o ministro Dias Toffoli afirmou que o tema tem gerado “multiplicação de decisões divergentes” nas instâncias inferiores e que a suspensão “é salutar à segurança jurídica”. Citou que a medida é importante também para investigações internas do Ministério Público porque o órgão “vem promovendo investigação criminal sem supervisão judicial, o que é de todo temerário do ponto de vista das garantias constitucionais que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do estado”. Na prática, Toffoli, “com base no poder geral de cautela”, suspendeu todos os inquéritos na Justiça que “tratem sobre o tema e também todos os procedimentos de investigação criminal atinentes aos Ministérios Públicos federal e estaduais, sem autorização da Justiça, sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle (Receita, Coaf e Banco Central), que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais”. Até novembro, quando o plenário do STF vai decidir sobre os limites da atuação do Coaf, estão mantidas somente as investigações em que foram compartilhados dados globais sem detalhamento e outras nas quais a Justiça autorizou Coaf, Banco Central e Receita a repassarem informações. O Coaf, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, é responsável por receber e reportar movimentações atípicas a órgãos de controle. Toffoli lembrou o julgamento de ações em que ele foi relator e afirmava que o acesso de investigadores a informações do Coaf sobre operações bancárias deveria ser limitado, sem identificar a origem ou a natureza dos gastos, e que ele já decidiu anteriormente, como relator, suspender procedimentos administrativos tributários da Receita. Técnicos do Coaf afirmam que, por causa da decisão, será preciso criar temporariamente um formato mais simplificado de relatório para ser enviado ao MP sem prévia autorização judicial: um parecer simplificado com dados gerais: nome do suspeito, o período e o valor da operação suspeita. O relatório de inteligência financeira, modelo usado até agora e que tem dados mais detalhados como a origem do dinheiro, só poderá ser encaminhado com autorização prévia da Justiça. O Coaf não pode se omitir, deixar de repassar informações. O artigo 15 da Lei 9613 obriga o conselho a comunicar às autoridades quando concluir pela existência de crimes ou indícios de crimes. O presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, Paulo Cezar dos Passos, diz que o relatório do Coaf não pode ser confundido com quebra de sigilo. “Na realidade, não há uma quebra de sigilo bancário. O Coaf, que foi criado para investigar e comunicar movimentações financeiras suspeitas, comunica isso aos órgãos de fiscalização, ao Ministério Público, para que o Ministério Público, a partir dessa comunicação, desenvolva sua investigação e, a partir daí, se necessárias, quebras de sigilos bancários, o Ministério Público requeira ao Poder Judiciário. Mas o que faz o Coaf? É uma mera comunicação de uma movimentação financeira ou bancária suspeita ao Ministério Público brasileiro. A partir de agora, o Supremo vai informar os tribunais, que terão que suspender todos esses casos. Além disso, os MPs também serão notificados para suspender suas investigações internas sobre temas parecidos. Mas, se algum caso não for suspenso, a defesa pode recorrer ao Supremo. Especialistas e investigadores concordam que a medida coloca o Brasil "algumas casas atrás" no combate à lavagem de dinheiro e que prejudica investigações sobre esse tipo de crime. Eles dizem que a medida também fere a política internacional de prevenção da lavagem de recursos financeiros e da corrupção. Uma das recomendações prejudicadas pela decisão é a de número 9 do Gafi, Grupo Internacional de Ação Financeira contra a lavagem criado pela OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A advogada tributarista Wannine Lima diz que a decisão contraria políticas de inteligência financeira em outros países. “Há recomendações amplas no sentido de que os países mantenham unidade de inteligência financeira, como é o Coaf. Que eles tenham condições de exercer o seu trabalho e, uma das maiores condições, é que a informação de inteligência possa circular entre os órgãos que podem subsidiar uma melhor informação de inteligência para que na sequência os órgãos de investigação possam trabalhar melhor”. O presidente do Supremo quer saber qual o nível de detalhamento dos dados repassados a órgãos de investigação e pediu resposta ao Coaf, à Procuradoria-Geral da República, ao Tribunal de Contas da União e à Receita Federal. A decisão de Toffoli atende a um pedido dos advogados do senador Flávio Bolsonaro, do PSL, filho do presidente Jair Bolsonaro. Flávio é investigado pelo Ministério Público do Rio, suspeito de ficar com parte dos salários de funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual. A defesa argumentou que o MP usou o Coaf para criar atalho e se furtar ao controle do Poder Judiciário. O relatório do Coaf revelou movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro. Apesar de o ministro Dias Toffoli entender que as investigações têm que ser suspensas, a Primeira Turma do Supremo já decidiu, pelo menos duas vezes, validar o compartilhamento de informações do Coaf sem autorização judicial. Uma delas diz que “se a legislação determina que o Coaf comunicará às autoridades competentes quando concluir pela existência de crimes ou indícios, seria contraditório impedir o Ministério Público de solicitar ao Coaf informações por esses mesmos motivos”. No Congresso, em maio, quando era decidida a transferência do Coaf de volta ao Ministério da Economia, o senador do MDB Eduardo Braga sugeriu uma mudança: proibir o auditor fiscal de comunicar ao Ministério Público indícios de crimes como é possível atualmente. A emenda foi criticada por entidades que afirmavam que isso seria um retrocesso no combate à corrupção. A emenda foi rejeitada pelo Congresso. No início da noite, mais reações à decisão de Toffoli. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou em nota que vê com preocupação a decisão e que já determinou que a sua equipe analise os impactos e a extensão da medida liminar para definir providências no sentido de se evitar qualquer ameaça a investigações em curso. Os estudos estão sendo feitos com base no que foi decidido, em fevereiro de 2016, quando o Supremo considerou constitucional o envio de informação pelo Coaf ao Ministério Público. As forças-tarefas das operações Greenfield e Lava Jato em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro demonstraram grande preocupação em relação à decisão do ministro Dias Toffoli. Os procuradores afirmam que, “ao longo dos últimos cinco anos, receberam inúmeras informações sobre crimes da Receita, do Coaf e do Bacen, inclusive a partir da iniciativa dos órgãos quando se depararam com indícios de atividade criminosa”; que “embora seja inviável identificar imediatamente quantos dos milhares de procedimentos e processos em curso nas forças-tarefas podem ser impactados pela decisão, esta impactará muitos casos que apuram corrupção e lavagem de dinheiro nas grandes investigações e no país”. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) afirma que “o tema do compartilhamento de dados sigilosos entre órgãos de controle (Receita Federal, Banco Central e Coaf) foi objeto de inúmeras decisões judiciais, inclusive do STF, e a própria literatura anticrime internacional aborda o assunto por meio de uma série de recomendações”. A associação diz que há enorme prejuízo para importantes investigações em curso no país; que a decisão pode sujeitar o Brasil a sanções em âmbito internacional por descumprimento de compromissos internacionais.


Fonte: G1

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