Para ir além das carnes, JBS inaugura centro de inovação em alimentos nos EUA
Carpete cinza escuro, paredes que variam do bege ao marrom e grandes janelas que dão vista para as Montanhas Rochosas, no Colorado. Pelos corredores, cartazes e vitrines exibem a história das marcas Swift e Pilgrim’s Pride — compradas pela JBS em 2007 e 2009. No local, que abrigava a sede da Swift até a aquisição, o português salta aos ouvidos em alguns momentos, quando brasileiros e americanos discutem o quão forte deve ser o café. O cenário pouco se parece com o de startups moderninhas e de escritórios de companhias de tecnologia, com seus móveis coloridos e ambientes abertos. A JBS, contudo, não quer estar alheia ao futuro. Quer ser vista como uma empresa de alimentos — é a segunda maior do mundo, atrás apenas da Nestlé — e não como uma companhia de carnes (nesse quesito, sim, a maior).
Pouco mais de 37 quilômetros separam a sede da JBS nos Estados Unidos, na cidade de Greeley, da Colorado State University. O caminho pode ser feito em pouco mais de 30 minutos, e passa por grandes campos ainda descobertos após o recente fim do inverno. Lá está um dos mais recentes investimentos da companhia. O Centro Global de Inovação de Alimentos, uma parceria com a faculdade de ciências agrárias da Universidade do Estado do Colorado, é uma das apostas da JBS para estimular a pesquisa e acompanhar os desenvolvimentos do mercado de alimentação. Ao longo de 10 anos, a companhia vai investir US$ 12,5 milhões no centro. Para efeito de comparação, a Ambev, no ano passado, investiu R$ 180 milhões na expansão do Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro para criar seu centro de pesquisa.
Lá, estudantes e pesquisadores têm à sua disposição uma espécie de miniatura de fábrica, com instalações que permitem desde o manejo de bem-estar animal e abate, até o processamento e uma cozinha para o preparo de alimentos. Laboratórios permitem também experimentos para averiguar o valor nutricional de produtos e avaliações de sabor e textura. A semelhança com fábricas e plantas reais, dizem os pesquisadores, é importante para garantir a aplicabilidade dos estudos realizados.
Inaugurado dois anos após a Operação Carne Fraca causar uma perda de R$ 16 bilhões em valor de mercado para a companhia, um os focos do centro é pesquisar formas de melhorar procedimentos em segurança alimentar, design de produto e desenvolvimento de produtos, além de pensar em soluções para atender à crescente demanda de consumidores por transparência. Deflagrada em 2016, a operação da PF brasileira apurava um esquema de corrupção que envolvia o pagamento de propina a inspetores sanitários em frigoríficos brasileiros. Além da JBS, a BRF também foi um dos alvos.
Apesar dos contratempos, no ano passado, a companhia teve a maior receita de sua história, de R$ 181,6 bilhões. O lucro líquido, contudo, foi afetado pela adesão ao Refis do Funrural e somou R$ 25,2 milhões, uma queda de 95% na comparação com 2017.
O acordo com a universidade começou a ser costurado há dois anos, conta Cameron Bruett, diretor de assuntos corporativos da JBS USA. Segundo ele, a parceria reúne a vontade de criar um programa de educação para os funcionários, como muitas empresas norte-americanas têm, e estimular a pesquisa no setor de alimentos. Pesquisa essa que ficará mais barata para a empresa — haverá uma redução de 25% nos custos de pesquisa e desenvolvimento com a parceria. “É claro que isso depende do volume de estudos, mas isso deve significar uma economia de centenas de milhares de dólares ao longo dos anos”, diz Bruett.
Também a partir de agora 25 funcionários da JBS poderão cursar, gratuitamente, o currículo de negócios e ciência em agricultura na CSU, e outros 15 poderão fazer um MBA online. Outra vantagem da aproximação com a universidade é poder desenhar cursos customizados em segurança alimentar, segurança do trabalho e outros temas relacionados ao setor de carnes, que serão oferecidos aos funcionários.
“Era muito importante para a JBS que esse não fosse um meat lab, mas um centro de inovação de alimentos, focado não apenas em proteínas tradicionais. Estamos nos transformando em uma empresa global de alimentos, não apenas de proteínas”, diz Chris Gaddis, diretor de recursos humanos. Um dos estudos já em curso, inclusive, é sobre proteínas alternativas, como substitutos de carne feitos à base de vegetais e carne feita em laboratório. "Estamos preocupados em como o governo vai classificar esses produtos. Portanto, estamos fazendo uma análise de proteína à base de plantas", afirma Keith Belk, chefe de ciências da carne da faculdade de ciências agrárias da Universidade do Estado do Colorado.
A JBS diz estar acompanhando essa nova tendência de consumidores buscando novas alternativas à carne animal. André Nogueira, CEO da JBS USA, afirma que ainda é um mercado de nicho e opina que a qualidade e sabor dos produtos presentes no mercado não estão à altura das expectativas. “Inovação e pesquisa vão permitir que isso evolua, e se o consumidor quiser, vamos produzir, não tenho nada contra nem a favor”, diz. “Vamos comprar uma empresa produzindo isso? Eu não vejo nenhuma tecnologia diferenciada que justifique alguma aquisição nesse segmento, é minha opinião hoje”, afirma Nogueira.
A participação no centro de inovação, diz Kim Stackhouse-Lawson, diretora de sustentabilidade da JBS USA, dá à empresa um laboratório de aprendizado. Ela será responsável por direcionar as prioridades da empresa junto aos pesquisadores da universidade.
Mas por que investir em um centro universitário de pesquisa, e não em startups, como muitas outras empresas preferem fazer? Para Nogueira, isso tem relação com a cultura corporativa. “Vejo que investir em startups faz sentido para outras companhias, mas na JBS não vejo essa necessidade. Para nós, vale mais incentivar o empreendedorismo interno. Temos uma cultura descentralizada que permite o sentimento de ownership”, diz.
O movimento, diz Cameron, faz parte da tentativa da empresa de investir cada vez mais em produtos de maior valor agregado. “Ao diversificarmos nosso portfólio, diminuímos a volatilidade. Quando você só faz commodity, está muito vulnerável a preço. Acreditamos que à medida em que acrescentamos valor aos produtos, criamos mais oportunidades e mais demanda”, afirma.
Isso se traduz de diferentes formas ao redor do mundo, e depende da mudança de comportamento dos consumidores em cada país. Nos mercados emergentes, especialmente na Ásia, diz Cameron Bruett, há uma procura cada vez maior por produtos de mais qualidade. No Brasil, a estratégia da empresa para capturar essa mudança nos hábitos de consumo, é focar em marcas como Seara, Friboi e nas lojas Swift, que serão replicadas em outros países, como México. Em países desenvolvidos, a busca é por mais transparência. Nos EUA e Europa, isso significa focar em cortes diferenciados e mais opções premium para os consumidores — nesta semana, a empresa anunciou a compra da Imperial American, empresa especializada em gado wagyu — além de opções mais prontas para preparo.
“Nossa diversificação geográfica traz um grande potencial para a inovação”, diz Gilberto Tomazoni, presidente global da JBS. No ano passado, a empresa criou uma diretoria global de inovação, com a missão de criar novos produtos e compartilhar boas práticas e experiências feitas ao redor do mundo. É uma tentativa de aproveitar a presença global da empresa, que tem escritórios em 15 países. A equipe conta com a participação de profissionais de marketing, pesquisa e desenvolvimento, tecnologia e produto. “Estamos agora fazendo um cruzamento entre o que existe em um país e pode ser adaptado para outros mercados. Pode ser necessário fazer ajustes de embalagem ou sabor, mas conseguimos rapidamente acelerar esse processo de inovação em produtos que já existem”, diz.
Um dos focos, diz André Nogueira, é pensar em novas soluções para o e-commerce. “Mesmo aqui nos Estados Unidos, isso está só começando”, afirma, ressaltando que a empresa tem hoje um grupo específico para pensar em alternativas para viabilizar a venda online. “Acho que isso ainda vai crescer muito, mas pessoalmente acredito que ninguém acertou. Muitas empresas estão tentando e investindo pesado, mas não há uma solução que deixa o cliente satisfeito e dê rentabilidade para o negócio”.
A empresa também se diz atenta às possibilidades de ampliar a automação de suas fábricas. Exemplo disso é a Scott Technology, comprada pela JBS Austrália em 2015. A empresa, com sede na Nova Zelândia, trabalha na automação de todo o processamento de carnes. A tecnologia pode, no futuro, ser aplicada em fábricas da empresa ao redor do mundo, como a de Greeley, que abate e processa 5,4 mil bovinos por dia e conta com mais de 3 mil funcionários, que se dividem na fábrica para desossar e porcionar as carnes manualmente. Para se habilitarem para o trabalho, os funcionários, de 27 países distintos, precisam de treinamento de pelo menos 4 semanas, para os trabalhos mais simples. Para os mais complexos, realizados pelos trabalhadores identificados com capacetes pretos na fábrica, são necessárias até 12 semanas de treinamento.
* A jornalista viajou a convite da JBS
Fonte: Globo
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